Exercício de escrita criativa.

 Como se aquela fosse uma despedida amarga, ele cai não chão com as mãos sobre o ferimento, sangue manchando a única peça de roupa que ainda protegia seu corpo esguio.

Gemidos de dor e suspiros saem de sua boca entreaberta. Corro até ele, jogando minha armadura de lado e me ajoelhando, meus olhos tomados pelas lágrimas que quase me cegavam. Seguro a cabeça dele entre minhas mãos e com cuidado, coloco-o deitado sobre minhas coxas. 

Meu coração está apertado, como se fosse rasgar no meio. 

Minhas mãos tremem.

Estou com medo.

Ele tem os olhos entreabertos, quase fechados e sua respiração está fraca, como se lutasse para respirar mais um pouco.

Ele está morrendo.

Está morrendo por minha causa.

– Vai ficar tudo bem, meu amor. Nós vamos ir pra casa, ir atrás daquela feiticeira e reescrever isso tudo, vamos poder mudar tudo e...e – gaguejando, engulo um soluço que insiste em sair pela minha garanta. Não posso mostrar para ele que eu estou com medo, preciso ser forte.

Forte porque eu vou fazê-lo ficar.

Seus olhos verdes agora mais parecem negros, como se toda a vitalidade estivesse esvaindo de si, toda a sua essência indo embora.

Meu coração acelera e meu corpo tenso tenta mantê-lo firme.

– A ajuda está chegando, você só precisa ficar acordado – um soluço escapa por meus lábios, me fazendo fechar os olhos por alguns segundos, tempo o suficiente para ele colocar sua mão em meu rosto. 

Abro meus olhos quase instintivamente assim que sua mão quente encosta em minha pele.

– Esse é o m-meu destino... – ele diz, em um sussurro, deslizando seu polegar pela minha bochecha agora manchada com seu sangue.

O sangue que vai manchar para sempre minhas mãos. A minha alma.

– Shh, não fala nada, por favor. – minha voz vacila e as lágrimas formam um rio em meus olhos, mas me recuso a derramar uma única lágrima. – Fica acordado, mas não fala....

Ele tenta se ajeitar, ficar de frente para mim, mas seu rosto se contorce em dor assim que ele se vira em minha direção, sangue jorra do seu ferimento.

– Eu disse para ficar parado, merda! A ajuda está vindo! – grito, soluçando baixinho. Meus olhos alternam entre seu rosto cheio de dor e seu ferimento, que vai ficando cada vez maior a medida em que sua respiração se torna cada vez mais agonizante e fraca.

Ele tira a mão que estava em seu ferimento e coloca em minha nuca, olhando dentro de meus olhos como se procurasse algo.

Ele me procurava.

Meu lábio inferior treme e me corpo inteiro se enche de arrepios. 

Conecto meu olhar com o dele, como sempre fazíamos antes de dormir e as lembranças invadem minha mente, meu coração, meu corpo.

Eu vou fazer ele ficar.

Ele precisa ficar.

– E-eu preciso te falar algo - com os olhos suplicando, ele engoliu o seco e foi só então que notei o sangue escorrendo por sua boca, descendo pelo pescoço.

Meu corpo desmonta, desmorona, morre ali mesmo. Minha alma treme em medo.

Ele prossegue, arranjando forças entre seus suspiros dolorosos. 

– Você é a coisa mais bela que eu vi, em toda a minha vida. Eu sou grato demais por cada um desses anos em que pude me apaixonar por você. - ele geme, contorcendo a boca, mas com o olhar tão fixo nos meus que talvez seja possível que ele enxergue minha alma - Por todos esses anos, eu te amei como se você fosse uma parte de mim que eu estive procurando a vida inteira e estava aprendendo a sentir junto de mim. Eu te amei como se eu e você fôssemos um só, contra o mundo, o universo e todas as forças superiores. Eu te amo e sempre irei te amar, em todas as vidas que eu estiver destinado a viver. Você é cada parte viva de mim, você é a minha melhor parte. Eu sempre fui seu e sempre serei. Você é como aquela brisa de verão que atinge meu rosto e espanta o calor ao mesmo tempo em que faz arrepiar os cabelos da minha nuca.

Cada palavra me atinge como um batalhão de soldados lutando, me dilacerando, me torturando.

Ele engasga, puxando o ar com mais dificuldade para dentro dos pulmões.

Meu coração quebra em milhões de pedaços, como se tivesse sido esmagado.

Estou estilhaçado.

Levo uma de minhas mãos até seu rosto, segurando meu impulso de fazê-lo ficar quieto.

– Eu te amo. Meu coração é seu. Não me importo com esse destino, porque eu vivi vinte e seis anos sendo seu. - ele suspira, os olhos vacilando e sua mão segurando com um pouco mais de força meu maxilar. - Esse não é um adeus... Viva por você. Te guiarei bem aqui...

E como se aquele fosse mais um de seus pequenos esforços para continuar ali, comigo, ele desliza uma das mãos até meu peito, sobre o coração.

Então, quando o desespero me atinge, ele sorri e seus olhos desviam dos meus.

Ele cai para frente, com a boca entreaberta e a testa apoiada em meu ombro.

- Não, não, NÃO! - eu grito, deixando com que todas lágrimas derramem como ondas sobre minha bochecha.

Eu abraço seu corpo esguio, manchando minha roupa com seu sangue e aproveitando os últimos momentos.

Eu quero eterniza-lo.

Eu estou morto, estou queimando, estou congelando. Eu viro cinzas, viro floco de neve, viro uma sombra desesperada para me infiltrar ele.

Eu sou o responsável por isso. Eu merecia estar ali, agonizando, contando os segundos para finalmente partir.

Mas não estou.

Prefiro passar uma eternidade sofrendo do que uma eternidade sem ele.

O aperto com força assim que sinto seu corpo desaparecer de meus braços, tentando desesperadamente sentir o cheiro de seu cabelo, agarrando qualquer fibra dele que eu consiga guardar.

Borboletas azuis tomam o lugar de onde seu corpo estava e voam para o alto, dispersando-se no vasto céu azul.

Azul era a cor preferida dele.

O céu reage a sua morte.

E ele chora comigo.

Inundando meu corpo e lavando minha alma inexistente.

Os céus sufocam meus gritos e, como se aquele fosse algum tipo de conforto, eles me aninham.

Eu matei o meu amor.

Agora não me resta mais nada.

Não preciso de conforto algum, porque toda a natureza trabalhou para isso acontecer.

Eu só sou vítima do puro egoísmo dos deuses. Eles não tem direito algum de me confortar.

Não quero sua empatia ou seu amor, porque eu sei que eles me odiariam caso eu deixasse o mundo de lado para ficar no conforto do abraço dele.

Eu levanto, guardando os tecidos manchados de vermelho dentro da minha mochila. Pego minha espada e visto minha armadura pesada. Pesada de culpa.

Me forço a ficar de joelhos e depois em pé. Limpo meus olhos com as costas da mão. 

Mantenho a postura ereta e encaro o caminho que me leva até o Palácio dos deuses.

Eu vou fazer a morte dele valer a pena.

POV: Você mora em um pequeno vilarejo com seu amor. Felizes, vocês não tinham ideia de que bastava um estalar de dedos para tudo desmoronar. Deuses, fadas, seres mitológicos e uma profecia em que para salvar o mundo é preciso que você e seu amor se enfrentem. Apenas um de vocês pode ficar vivo. Escreva como foi sua despedida. 

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