Sol & Lua

Então a minha única alternativa é correr e eu corro.
Eu corro tão rápido que tudo ao meu redor se transforma em manchas.
Meus pés batem contra a calçada. Tum, tum, tum.
Ou talvez seja o meu coração que bate nos meus ouvidos. Tum, tum, tum.
A única coisa que eu sei é que estou correndo, estou desviando pessoas e ultrapassando os sinais fechados.
As cores se misturam em meus olhos.
Minhas pernas estão doendo.
Elas doem mais ainda quando dobro a esquina, quando forço meus calcanhares no chão e giro o corpo.
Faíscas percorrem minhas pernas, mas eu não posso me dar ao luxo de parar.
Minha única alternativa é correr.
Meus pulmões que, na minha época de atleta eram meus melhores amigos, vacilam e eu tropeço, segurando na parede.
"São apenas mais alguns metros", estou repetindo.
"Por favor, me deixem chegar até lá", estou implorando
Me agarro ao último fio de adrenalina em meu corpo.
E eu estou correndo.
Um pouco manco, talvez meio ofegante, mas eu estou quase lá.
O céu está se pondo no horizonte. É para onde eu estou indo.
Ouvi dizer uma vez que o Sol está no final do horizonte.
E ele realmente está lá.
Como sempre, está sentado no balanço do parquinho, as pernas balançando para frente e para trás.
Lá está o meu Sol.
Eu entro no parquinho, as pernas bambas me fazendo fraquejar.
Caio de joelhos na areia, meus pulmões tentando resgatar oxigênio.
Eu cheguei. Eu cheguei a tempo de ver meu sol.
Levanto minha cabeça assim que uma mão quente toca meu coração. 
Lá está ele. O meu Sol.
Sua mão acalma o meu coração agitado, mas não sei por quanto tempo vou aguentar.
"Você demorou", ele reclama, os olhos amarelos beijando meu rosto com seu calor.
"Achei que você não vinha hoje, mas você sempre vem".
Sim, eu sempre venho. Eu preciso vir.
Levo minha mão em direção ao meu Sol, acariciando sua pele bronzeada da bochecha com o polegar.
"Você está gelado!", ele resmunga e fecha os olhos.
"Você está quente!" eu retruco, meu peito subindo suavemente.
O Sol está rindo.
Sua risada me faz estremecer.
"Eu senti sua falta" eu sussurro, na esperança que o Pai não ouça.
"Eu também senti a sua falta" Sol diz e abre os olhos, seus tão amarelados olhos, que quase cegam o meu cinza.
Uma dor excruciante cresce subitamente em meu corpo e eu engasgo, meu peito queimando como uma fogueira. Eu sendo consumido por chamas, meu coração bate forte para não se queimar. Tum, tum, tum. Estou cego, estou sem meus pulmões. Estou vivo, estou morto. A dor lateja em meus ouvidos e sou obrigado a fechar os olhos.
Deuses, como dói!
Sol nota o meu desconforto e se afasta. Abro os olhos a tempo de ver a mancha cinza engolindo sua bochecha bronzeada.
Eu sinto muito, Sol.
Quando o frio começa a me envolver novamente, volto a respirar e me sento no chão de areia.
Sol está em pé e me olha com preocupação. Culpa e dor travam uma dança em seu rosto.
"Não é sua culpa, Sol" eu digo, mas não é o suficiente para acalmar meu Sol.
Eu olho para o horizonte, as cores todas sumindo junto ao Sol, o céu tomando uma cor escura que indica que a noite está próxima.
Chegou a hora de dizer adeus.
Mais uma noite solitária onde vou me despedir novamente sem dar um beijo no meu Sol.
Será que se eu o beijasse, ele explodiria de felicidade ou morreria queimado?
Perguntas e mais perguntas que estão rondando a minha cabeça.
Mais uma noite sem dormir, apenas pensando em ti.
"Parece que já está na hora de partir".
"Sim, está na hora de partir".
"Eu gostaria que você ficasse".
"Eu posso ficar se você quiser".
"Não, Sol, você não pode. Essas são as regras".
"Regras são inúteis, ninguém precisa de regras! Podemos criar nossas próprias regras.".
Sol dá um passo em minha direção, o rosto iluminado pela emoção. A mancha ainda permanece em sua bochecha, mas está sumindo aos poucos e retornando a sua coloração bronzeada.
Céus, como é lindo o meu Sol.
Desculpe quebrar seu pequeno coração.
"Não podemos criar regras, Sol. O Pai faz as regras".
"As regras dele são estúpidas!", Sol gritou com os punhos fechados.
"Silêncio, ele pode te ouvir!".
" Que se dane que ele possa me ouvir, eu cansei! Por que não pode existir uma regra em que eu e você podemos ficar juntos a todo segundo? Regras e mais regras, o tempo todo são regras, mas por que em nenhuma dessas regras podemos nos amar?".
A voz de Sol está carregada de raiva, tristeza, dor.
Eu sinto muito.
Eu fico de pé com meu coração rasgado em dor, ainda palpitando com o calor.
"Porque a regra diz que Sol e Lua estão destinados a se apaixonar, mas não a ficarem juntos", respondo.
Sol arregala os olhos amarelos e reprime os lábios, sentando no balanço.
"Se nosso amor fosse aceito em uma das regras, você explodiria em felicidade. Devemos manter o ritmo do jeito que está. Estamos perdidamente apaixonados desde a criação da terra. Nós nos vemos todos os dias, nos tocamos todos os dias, já não basta para você?".
"Para você apenas isso basta?" Sol questiona, os olhos fixos em mim.
Eu suspiro.
"Não, não é o bastante, mas está fora do meu controle. São as regras. São 24 minutos para te ver, 24 minutos para te tocar até ambos começarem a adoecer e 24 minutos para desejar ter você. Eu amo você, mas a regra é clara: nosso amor vai além de qualquer coisa. Faz sentido, porque eu te amo sem nunca ter te beijado".
Essa é a regra: Sol e Lua, dois amantes verdadeiros, sem ao menos o primeiro beijo dar eles vão se apaixonar, mas jamais vão poder se casar. O amor deles vai além e eles são reféns de um conto de fadas sem final feliz. Saturno guarda os anéis desde o início do mundo quando o Sol pediu a Lua em casamento, mas era perigoso demais e o Pai não estava afim de correr riscos pelo amor jovem de Sol e Lua.
As regras são amar para sempre.
Por que o amor tem que ser tão doloroso?
Sol está gargalhando quando levanto minha cabeça e fica de pé, de frente para mim.
Mas na verdade ele no está gargalhando.
Ele está chorando.
Lágrimas douradas descem de seus olhos e rolam por sua bochecha.
Meu coração se quebra em milhões de pedaços e eu quero tocá-lo, beijá-lo, segurá-lo, tê-lo pra mim.
Minhas mãos estão tremendo.
"Parece que em nenhum lugar das regras vamos ser felizes. Não posso mudá-las e mesmo sem poder fazer nada com você, eu acho que só te amar já basta pra mim. Te olhar já me faz feliz, então que se danem as regras. Um dia vamos roubar os anéis de Saturno, mas enquanto isso, vou roubar apenas sorrisos seus" Sol diz secando a bochecha úmida.
Eu me esforço a sorrir, mas tudo o que consigo é uma careta.
Sol se vira de costas para ver o horizonte. Algumas poucas estrelas cintilam no céu já escuro.
"A Lua está linda hoje, não está?" Sol me pergunta e se vira em minha direção. Ele está sorrindo para mim.
Aquele era nosso adeus.
"As estrelas também, você não concorda?" um sorriso dança em meus lábios.
Sol está gargalhando e então caminhando em minha direção.
Sol para, seus olhos encarando os meus, seu amarelo cegando o meu cinza.
"Eu te vejo amanhã de manhã" ele diz tombando a cabeça para o lado.
Eu tombo minha cabeça para o mesmo lado e gargalho.
"Pense em mim antes de dormir" eu digo.
Sol arregala os olhos e endireita a postura. Ele coloca a mão no peito, ofendido.
"Você é a única coisa que ronda meus sonhos e pensamentos o dia inteiro e a noite inteira. Pensar em você parece uma maneira de ficar mais tempo ao seu lado. Penso o dia inteiro na tua risada gostosa, na sua pele pálida e em qual deve ser o gosto do seu beijo".
E meu coração despenca do peito, se estilhaça no chão e no lugar deixa apenas culpa.
"Receio que tenho que partir. Pense em mim também, minha querida Lua".
E antes mesmo de poder me despedir, meu Sol desaparece com o último raio de luz do pôr do sol.
Estou sozinho.
Não pude dizer que penso nele também e que mesmo em sonhos ele permanece aqui comigo.
Irei dizer na próxima vez que encontrá-lo, que eu o devoro como se fosse poesia todos os dias.
Eu sento no balanço e olho para o céu. As estrelas iluminam minha solidão.
Será que se eu não fosse Lua, o que teria mudado?
Odeio ser Lua, mas também adoro ser Lua.
Porque eu sou a Lua do Sol.
E isso para mim já basta.
Será que amanhã aqueles olhos vão estar mais amarelos do que hoje?
Não sei, mas posso imaginar.
A única coisa que quero fazer agora é contar cada segundo até o meu Sol voltar.


Baseado na lenda: Onde Sol e Lua se apaixonaram e o Sol pediu a Lua em casamento, mas se a Lua falasse "Sim" o Sol explodiria de felicidade, se a Lua falasse "Não" o Sol escureceria em tristeza, então a Lua respondeu "Não sei" e Saturno guarda os anéis até hoje.



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