Daily Anguish.
Estou, nesse exato momento, comendo um croissant de chocolate.
Há papel de carta em cima da mesa, ao meu lado, com tantos lápis e canetas, cada um de uma cor, que parecem um arco-íris no branco eterno dessa madeira.
Os pássaros cantam do lado de fora, o mesmo canto de todos os dias, mas só hoje prestei atenção no modo como mesmo tão rotineiro ainda assim parece uma novidade.
O dia alternou bastante desde que começou e, por se tratar agora das seis e três da tarde, tem um clima agradável de verão - mesmo que estejamos curiosamente na primavera - e o céu tem uma mistura linda de cinza, azul e amarelo.
Na televisão, o noticiário está passando, mas eu estou cansado de notícias ruins. Cogito a ideia de pegar o controle remoto e desligá-la, porém a voz de fundo faz com que eu me sinta menos solitário dentro do meu próprio vazio entre quatro paredes.
Estou angustiado mesmo olhando para o verde vivo da grama, o vermelho-sangue das flores e o amarelo do pássaro parado em cima do muro.
Estou nervoso mesmo com todas as mensagens do Tarot pra mim hoje de manhã, mesmo com todos os sorrisos e mesmo tendo andado de mãos dadas com minha esposa de mentirinha (eu te chamei de esposa agora, viu?).
Não sei mais o que fazer e muito menos a quem recorrer. Já fazem duas semanas que eu não vejo a minha confidente, é como uma eternidade que eu quero que acabe. Eternidades nem sempre são eternas, saca?
Terminei mais um livro há poucas horas e minha cabeça ainda está divagando entre bicicletas, água, um chapéu de Luigi e covas de cemitério. Caminho pelas ruas, no meio da chuva, passeando por cada imagem que criei daquele amontoado de palavras, de placas, de cada tijolo que sustenta minhas fantasias passageiras onde eu estou bem longe de quem eu preciso ser e estou me aproximando mais ainda de quem eu quero ser.
Há uma grande diferença entre precisar e querer, mas ninguém se importa o suficiente para estipular o significado.
Mudei o canal enquanto escrevia e deletava alguns trechos inconsistentes e agora escuto música, calma e baixa, como se estivesse tocando apenas no interior do meu cérebro. The Smiths cantam "There is a Light That Never Goes" e meu primeiro instinto é parar e ouvir, mas esse pequeno trecho rotineiro precisa ser terminado e eu não tenho tempo para distrações.
Mentiroso é meu sobrenome.
Estou terminando esse texto quase um mês depois do começo porque meu primeiro nome é procrastinação.
Já não está tão calor, na verdade está tão frio que usei luvas pela manhã cedo. Agora são dez e meia da manhã, fazem três dias que o sol se escondeu e a chuva anda lavando as almas de quem é corajoso o suficiente para enfrentá-la.
Eu terminei mais um livro nesse meio tempo e, por incrível que pareça, essa obra também fala de covas de cemitério. É mórbido, eu sei, mas meu tipo preferido de amor são os trágicos. Sou hipócrita no quesito amor porque mesmo adorando um drama eu sou daqueles que se irrita com a demora, a dificuldade, a complicação. O amor não deveria ser fácil como um filme de Hollywood?
Meu aniversário foi há exatos 1 mês e 4 dias (Marina gosta de lembrar que ainda sou criança mesmo agora na maioridade), mas eu ainda não sinto aquele sentimento de quem acabou de completar mais um ano próximo da morte. Não senti nada, na verdade. Foi algo tão incomum que às vezes eu até mesmo esqueço que já não tenho a mesma idade de um mês atrás e me entristece saber que eu não posso recuar alguns anos para benefício próprio.
Aprendemos da pior forma que não há possibilidade alguma de refazer ou até mesmo impedir de cometer os mesmos erros que ainda nos assombram em madrugadas silenciosas detonadas pela melancolia.
Não há saída, o karma é a consequência dos mais corajosos.
Ou dos mais filhos da mãe.
Quanto mais velho fico, mais perdido estou. Sinto que estou no meio de um mar aberto, flutuando em ondas agitadas que só estão esperando o temporal da costa atingir as águas para que elas dobrem de tamanho, me impeçam de respirar e eu morra ali sem saber nem ao menos meu último nome.
Meu nome do meio é uma incógnita chamada saudade.
Saudades de quem eu nunca fui.
Saudades de quem eu cogito ser.
Saudades de pertencer.
Pertencer no mesmo plano que você.
Estou com medo.
E me parece que ninguém se importa.
Minha agonia diária me impede de reconhecer alguma coisa além da culpa.
Por que você me manipula tão bem ao ponto de eu esquecer qual era a minha verdade?
Somos jovens demais para sofrer um pelo outro.
Me deixe sofrendo sozinho enquanto você beija os lábios vermelhos da sua nova namorada.
Eu talvez já não queira mais pertencer ao mesmo plano que você.
O croissant tem um péssimo gosto, os pássaros cantando me irritam, o calor me queima e o frio me congela. Não consigo ver nada de bom com - sem - você aqui.
Acho que eu deveria buscar uma psicóloga.
O céu anda ficando da cor dos seus olhos. Talvez ele desabe em mim.

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