Morta-viva

 Acho que morri. 

Meu corpo ainda está inteiro e sinto a ponta dos meus pés. 
Consigo mover a cabeça de um lado e para o outro e meus olhos ainda perseguem as vidas que passeiam pela brisa de primavera.
Meu coração ainda bate em meu peito e sinto a grama roçar nos meus calcanhares desnudos.
Mesmo assim, acho que morri.

Morri entre lógicas erradas, preconceitos inúteis e injustiças desiguais.
Morri no peito de cada mulher, jovem ou velha, escancarada como um objeto vazio.
Morri nos gritos silenciados, nos silêncios rasos e nos suspiros apressados.
Morri na dor e na falta de amor.

Quanta melancolia, você deve dizer.

Acho que morri antes mesmo de nascer.
Dentro do útero, já estava fadada ao caixão.
Cruzes deveriam ser a decoração do meu primeiro aniversário.
Vivi a vida inteira morta, esperando apenas o bote que cortaria minha respiração.
E que enfim pudesse descansar.

Espero que numa próxima vida eu não nasça morto.
Talvez um corpo de homem seja melhor. Ao menos, posso sentir algo diferente de medo.
Imagine só, como deve ser ter a vida decorada com ternos e direitos que uma morta-viva nunca pôde ter.
Deve ser uma benção divina pertencer e poder sair na rua sem nada à perder.

Créditos da foto para Manuhamu (@mi_na_ha_mu).

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